3 não contemplasse tais assuntos, mas não havia um espaço específico para isto. Por isso, já na primeira edição do Projeto Saúde Coletiva, que passamos a denominar pela sigla PSC, foram apre- sentados trabalhos científicos seleciona- dos na 18ª Reunião Anual da SBPqO, a Sociedade Brasileira de Pesquisas Odon- tológicas e programadas duas mesas de debates, uma intitulada “O desenvolvi- mento do país nos próximos anos e as perspectivas do Sistema Único de Saúde” e outra sobre a “A Odontologia no programa Saúde da Família”. A partir daí o PSC se consolidou e, em todas as edições que se seguiram do CIOSP, sem- pre colocou em debate os assuntos de maior interesse em cada contexto. Fale sobre a escolha do tema “Demo- cracia e Saúde Bucal” do PSC em 2019. Nesta 37ª edição do congresso da APCD mantivemos a tradição que vem norteando o PSC no CIOSP e elabora- mos um programa que busca contem- plar as principais questões que nos di- zem respeito, como País e como profissionais. O tema é “Democracia e Saúde Bucal”, pois pesquisas têm indi- cado que embora a população prefira a democracia a qualquer outro regime autoritário, há decepções com a demo- cracia tal como a estamos conseguindo construir no Brasil. Boa parte dessa frustração decorre, segundo essas pesquisas, da persistên- cia de desigualdades socioeconômicas e da nossa incapacidade para fazer fun- cionar as instituições que podem e de- vem agir para melhorar as condições de vida e assegurar o exercício de direitos sociais corriqueiros em países ociden- tais, mas que não estão ainda consolida- dos no Brasil. A aparente impotência da democracia para resolver problemas e garantir direitos colocou em questão, no recente processo eleitoral brasileiro, a própria ideia de democracia, com mui- tos vendo-a como um entrave. Sabe-se, porém, que a saúde é uma dimensão da vida dos indivíduos em so- ciedade que se ressente muito da falta de democracia. Ela é indispensável para pensar com liberdade e de modo crítico os problemas sociais que afetam a saúde e, sobretudo, para a busca de so- luções adequadas para resolvê-los. Mas no caso brasileiro persistem problemas de toda ordem, em vários setores, e o se- tor saúde é um deles. Apesar de todos os avanços e con- quistas do Sistema Único de Saúde (SUS), é inegável que o SUS não vem sendo bem avaliado pela população. Uma das áreas em que o SUS registrou avanços notáveis nos últimos anos é jus- tamente a Saúde Bucal. Mas mesmo nessa área vêm surgindo problemas que levam a uma avaliação negativa do de- sempenho. Por isso a democracia está no centro dos debates do PSC em 2019. Poderia dar um exemplo desses pro- blemas? Os Centros de Especialidades Odon- tológicas (CEO), por exemplo, foram uma enorme conquista no âmbito do SUS. Antes da instalação dos CEO a Odontolo- 4 37º CIOSP · 31 de janeiro 2019 gia Pública estava reduzida pratica- mente à atenção básica, em programas escolares e de gestantes, e às atividades de pronto-socorro. Eram muito impor- tantes, sem dúvida, mas estavam restri- tas em termos de cobertura populacio- nal e de abrangência, considerando-se o princípio constitucional da universali- dade do acesso. A chamada média e alta complexidade praticamente não existia. Houve uma gigantesca mudança nesse panorama, após a realização da 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal, que aprovou a iniciativa do Ministério da Saúde de instalar essas unidades em todo o País. Foram instalados mais de mil CEO em todas as regiões brasileiras. Mas, atualmente, há dificuldades com o financiamento dessas unidades especia- lizadas, que vêm contando apenas com recursos federais e municipais. Em con- sequência, há vários CEO com ativida- des paralisadas em vários Estados. Quais são os principais desafios que o novo governo brasileiro enfrentará na área de saúde? Não é possível, ainda, identificar as prioridades em saúde que o novo go- verno fixará, pois o programa da cam- panha do Presidente Bolsonaro para a saúde não é suficientemente claro a esse respeito. Há importantes ambigui- dades e lacunas relevantes. Nada há, por exemplo, sobre a Política Nacional de Saúde Bucal. Porém, é bem claro para os especialistas em Saúde Pública que o SUS padece de subfinanciamento crônico desde sua criação, que se ex- pressa, por exemplo, no baixo investi- mento diário per capita. Segundo economistas que se ocu- O que esperar do novo governo para a área de Saúde Bucal? Os primeiros anúncios das iniciati- vas federais na área não mencionaram a saúde bucal. Foi uma grande decep- ção para os profissionais de Odontolo- gia, mas a expectativa é que o ministro Luiz Henrique Mandetta sinalize positi- vamente para a área em breve, pois a Política Nacional de Saúde Bucal é uma das frentes de atuação mais importan- tes da pasta sob seu comando e há pro- blemas relevantes que requerem sua atenção. Na cerimônia de transmissão do cargo ele prometeu “a maior revolu- ção na história da Atenção Básica no Brasil”, ao anunciar que o Departa- mento de Atenção Básica será elevado ao patamar de Secretaria Nacional, as- segurou que a Constituição de 1988 será cumprida e que “isto não tem volta” e prometeu “uma carreira” de Es- tado para os profissionais do SUS. Mas não disse nada sobre o subfinancia- mento do sistema. Mandetta leva no currículo um ponto negativo sobre isto, pois quando deputado federal votou a favor da chamada “PEC da Morte”, a Emenda Constitucional 95, de 2016, que congela por 20 anos os investimentos públicos e cuja revogação vem sendo pedida pelos movimentos sociais e enti- dades de saúde. de média e alta complexidade odontoló- gica é enorme e o País não pode se dar ao luxo de, dispondo de condições para enfrentar esses problemas, não o fazer. Aqui no Estado de SP as entidades odontológicas precisam expor uma pauta de reivindicações ao governador Dória que inclua a criação, na Secreta- ria de Estado da Saúde, de um pro- grama de apoio técnico e financeiro aos municípios para que estes possam ate- nuar os pesados encargos que assumi- ram tanto na atenção básica odontoló- gica, quanto com a manutenção dos CEO e dos Laboratórios Regionais de Prótese Dentária (LRPD). Isso é conside- rado indispensável por especialistas em Saúde Bucal Coletiva para que seja pos- sível aprofundar o grau de atenção da Odontologia pública, pois também em SP essas ações têm sido financiadas quase que exclusivamente pelos gover- nos federal e municipais. Preocupa, também, a indefinição quanto à exigên- cia de os municípios desenvolverem programas de saúde bucal, ainda que restritos à atenção básica. Essa indefini- ção não foi resolvida com a aprovação da Política de Atenção Básica vigente e há receios de que a saúde bucal seja considerada supérflua por prefeitos e secretários de saúde sem preparo para o exercício de suas funções. “Os municípios vêm participando cada vez mais no conjunto do financiamento, mas os Estados estão diminuindo a alocação de recursos aos programas de saúde. Isto afeta, por exemplo, os programas de saúde bucal” pam da saúde o investimento público fe- deral não chega a R$ 4,00. É muito pouco, levando-se em conta que o go- verno federal é o principal arrecadador de impostos e, portanto, o principal ente federativo no investimento público em saúde. Os municípios vêm participando cada vez mais no conjunto do financia- mento, mas os Estados estão diminuindo a alocação de recursos aos programas de saúde. Isto afeta, por exemplo, os pro- gramas de saúde bucal. Sempre é possí- vel melhorar o desempenho e a gestão, mas no caso do SUS as críticas a uma suposta ineficiência são impertinentes, pois é quase um milagre que o SUS te- nha o desempenho que ostenta, con- tando com tão poucos recursos. Ainda que padeça de crônica in- suwficiência de recursos, o SUS realiza, todos os anos, algo em torno de 2,1 bi- lhões de ações e operações de média e alta complexidade, dentre as quais mais de 2,5 milhões de partos, cerca de 260 milhões de procedimentos odonto- lógicos e aproximadamente 25 mil transplantes de órgãos. Mas o ministro registra dois pon- tos importantes sobre saúde bucal: 1) quando secretário da Saúde de Campo Grande, o município ganhou o Prêmio Brasil Sorridente, do CFO, em três oportunidades; e, 2) foi o relator, na Co- missão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Depu- tados, do Projeto de Lei 6359/2013, tendo apresentado uma Emenda ao PL original, relativa à vigilância da fluore- tação, cujo teor revela uma visão res- ponsável e cientificamente fundamen- tada sobre essa importante medida preventiva. Quais são os desafios atuais mais im- portantes em Saúde Bucal, nos planos federal e estadual paulista? O que precisa ser enfrentado ime- diatamente é, a meu ver, a existência de CEO com atividades paralisadas. O go- verno federal precisa repactuar com os governos estaduais o apoio aos municí- pios para que unidades desse tipo ope- rem com 100% da sua capacidade insta- lada. A demanda reprimida por serviços É preciso registrar que o Brasil conta atualmente com cerca de 27 mil equipes de Saúde Bucal e a gestão da política de saúde bucal em nível muni- cipal não deve abrir espaços ao impro- viso e ao amadorismo. Cabe às comis- sões intergestores e aos conselhos de saúde monitorar a situação em cada município e ao Ministério da Saúde e Secretarias Estaduais agirem tempesti- vamente, para proteção da saúde bucal da população. Além disso, há projetos que vêm sendo elaborados no governo federal e que não podem ser desconti- nuados. É o caso do “Projeto SB Brasil 2020”, a pesquisa sobre condições de saúde bucal que o Brasil vem reali- zando a cada dez anos desde 1986, e cuja edição mais recente foi concluída em 2010. O “SB Brasil 2020” merece re- ceber tratamento prioritário do minis- tro Mandetta, pois sua realização impli- cará mobilizar, articular e organizar, em todo o País, cerca de 3 mil profissionais de saúde bucal, em investigação cientí- fica multicêntrica que precisa ser pla- nejada em tempo hábil, sob coordena- notícias “A democracia é indispensável para pensar com liberdade e de modo crítico os problemas sociais que afetam a saúde e, sobretudo, para a busca de soluções adequadas para resolvê-los” ção da área de saúde bucal do Ministério da Saúde. Felizmente a Pasta conta, pelo me- nos até o momento, com profissionais competentes e de alta qualificação téc- nico-científica e, se o governo não co- meter erros importantes, esse desafio poderá ser vencido. Nessa mesma linha de pesquisas epidemiológicas de base populacional encontra-se o “Inquérito Epidemiológico Nacional sobre Saúde Bucal dos Povos Indígenas no Brasil”, em fase bem adiantada de planeja- mento no âmbito da SESAI, a Secretaria de Saúde Indígena. A expectativa é que o Ministério da Saúde assegure a conti- nuidade e providencie os recursos ne- cessários à execução do que está plane- jado. Tramita atualmente no Congresso Nacional um projeto de lei para inserir a Saúde Bucal no SUS, mas atualmente o SUS não contempla essas ações? Trata-se do Projeto de Lei (PL) nº 8.131, proposto em 2017 no Senado Fe- deral, pelo senador e ex-ministro da Saúde Humberto Costa. Embora apro- vado no Senado e logo encaminhado à Câmara dos Deputados, infelizmente o PL tramitou muito lentamente naquela casa. Apenas em dezembro passado chegou à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), após ser aprovado por unanimidade e sem emendas nas comissões de Seguridade Social e Família (CSSF), em 8/11/2017, e mais de um ano depois, em 12/12/2018, na de Finanças e Tributação (CFT). A expectativa é que após o recesso parlamentar a CCJC retome sua análise e aprove a Lei da Saúde Bucal no SUS, pois não há motivos para postergar essa decisão. É prudente, porém, não desviar a atenção, pois outras urgências ou cri- ses políticas podem levar à postergação, por mais tempo ainda, da aprovação dessa lei que é muito importante para que, efetivamente, a política de saúde bucal tenha abrangência nacional, con- tribuindo para inibir prefeitos e secretá- rios de saúde de excluir essas ações do SUS nos municípios em que governam. Em princípio, a saúde bucal está con- templada na legislação que rege o SUS, mas como isso está implícito e não ex- plícito, muitos alegam que não estão obrigados a desenvolver a Odontologia Pública em seus governos. Sabem que, agindo assim, prejudicam a população. Mas, pressionados pela escassez de re- cursos, optam por fazer cortes justa- mente na saúde bucal. A lei os impe- dirá. Mas para aprovar o projeto de lei é muito importante que entidades e pro- fissionais de Odontologia estejam aten- tos ao que vai acontecer na CCJC nos próximos meses. Portanto, em 2019, olho na Câmara e nada de braços cruza- dos e boca fechada.